Chove torrencialmente. Na rua transeuntes dispersam-se, o tempo
mudou de humor, esbraveja trovoada. Passageiro temporal lava as ruas, chuva
brava silencia.
Na calçada, uma mulher desce a ladeira, devagar para não cair.
Leva, nas costas, o peso das preocupações impostas pela vida, ao encontro do Boulevard Café, pausa rotineira. Molhada
pela chuva, no balcão faz seu pedido, na saborosa inquietude do desejo de
degustar um café. Engole como se fosse o último, prazer apreciado aos poucos, assim
como inquietudes inevitáveis, entre um e outro gole.
Olhares sutis despertam a cumplicidade. Homens de paladar
apurado saboreiam a admiração. Entre os olhares, insinuante aceno. Um breve olhar
ensaia a resposta do adeus. No Boulevard
Café, o mesmo pedido, diferentes inquietudes, cúmplices olhares e um salutar
café.
Na rua, a chuva silenciara. A mulher retoma o trajeto, com o
fardo mais leve, deixando as preocupações à mercê do destino. O sol aparece
tímido, alguns pássaros cantarolam, ensaiando um fim de tarde poético, de mornas
inquietudes na passarela cotidiana da vida.