sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Borboleteando à Vida


E difícil imaginar um jardim sem elas, as borboletas. Alegres, periclitam para um lado e outro, despreocupadas, desapegadas, ao mesmo tempo, apegadas à vida. Simbolizam a renovação e liberdade, e levam a inspiração além do tempo.
Com uma xícara de café nas mãos, degustando-o gole por gole, saboreando o prazer daquele momento, distraída, observava pela janela, as crianças brincando na calçada.
Distante da cena, mas ainda observando, puxei a cadeira, e me sentei. Por um momento fiquei prostrada de saudades, lembrando-me da minha infância. Foi então que submergi no passado, e me vi pulando amarelinha na frente de casa, pulando corda com as meninas na escola, jogando três marias, jogo da velha, etc. O jogo da velha costumávamos jogar em sala de aula, uma folha que dançava, indo para frente e retornando, assim passeava em nossas mãos, enquanto a professora se distraía em seus amontoados de papéis. E de vez enquanto, era surpreendida com o nosso burburinho, quando nos observava com os óculos na ponta do nariz, em silêncio, virando a cabeça, até sermos contidas pelo olhar nada satisfeito, momento em que nos recolhíamos, escondendo o sorriso matreiro. Era bem divertido!
Sentimento de culpa, nem pensar! Ser uma menina arteira, dava o que falar. E quando minha mãe precisava ir à escola, era aquele verbete na ponta da língua. A professora não perdoava nas reuniões de entrega das avaliações.
Em casa, minha mãe cobrava meu comportamento.  Nada falava, somente baixava a cabeça e retornava para o meu “mundinho da lua”. O tão falado e popular desvio de atenção, ou déficit.
O que havia de tão especial neste mundinho da lua? As fantasias? E quais seriam? Nem lembro mais, mas na época, teria condições de responder o que tanto pensava. Adianto que era um mundo irreal. Buscava nas viagens a fantasia. Com certeza não era a geometria, o português, os plânctons, o mundo admirável das artes e seus Quixotes de la Mancha. Não! Também não eram fadinhas e príncipes encantados. Era só o meu mundinho, particularmente meu. Território indevassável e inconfessável, no auge da imaginação, onde se proliferavam todas as magias possíveis, desde o mago Merlim até inconsistente diálogo com o mundo oculto, o além.
Falava pelos cotovelos, sozinha. Olhava no espelho e batia um longo e gostoso papo. Eu e mais eu, quando ninguém estava olhando, é claro.
Debruçava-me sobre a mesa, ensejando escrever alguma coisa. Rabiscava alguns desejos e vap-vupt, voltava a terra, conectando-me com o real. E quando isto acontecia, empurrava o papel para o lado. Fechava a porta do quarto e ia brincar. Brincar de ser eu, menina tímida, de cabelos loiros e olhos verdes. De vez enquanto, levava uns petelecos da gurizada na escola que adoravam implicar com meu estilo certinho de ser. Detestava tudo aquilo, mas não levava muito a sério.
Às vezes, apelava ao colega Waldemar, a proteção. Tinha uns 16 anos, senão mais. Era afrodescendente, altura mediana, um pouco acima do peso, mas ágil. Tinha os cabelos encaracolados, que mantinha bem aparado. Era dono de um largo sorriso, branco, que reluzia em contraste com sua tez negra. Era homossexual, porém reprimia toda sua faceirice. E sempre nas horas difíceis, do empurra-empurra, tomava as dores das meninas. Quando o assunto era proteção, Waldemar levantava-se da cadeira, e com a mão espalmada, batia pra valer nos meninos. Nós ríamos aliviadas, nosso anjo de ébano nos protegia.
Um dia, caminhando pelos corredores da escola, um menino veio ao meu encontro, correndo, fugindo de um outro colega que queria pegá-lo. Brincadeira da época, pega-pega. Vinha contudo, quando passou por mim, e sem querer atingiu fortemente o estômago. Hummm, que dor, bem lá, na boca do estômago. Jamais esqueci tal cena! Vi estrelas por alguns segundos.
Pior eram os dias que éramos obrigados a beber Padrax em pó contra vermes. Que coisa ruim!
Os dias eram sempre monótonos e calmos. Tranquilidade que apaziguava as emoções. Nada de extraordinário preenchia aquelas manhas pálidas. O bom de tudo é que vivíamos numa época mais tranqüila, sem grades, alarmes, violência e pedófilos à espreita. Tínhamos liberdade de ir e vir, sem nos preocuparmos com potentes malfeitores escondidos com perfil de “homem bonzinho”.
Podíamos ao menos, viajar pelas nuances de uma vidraça, e nos perdemos lá fora, no jardim, observando lindas borboletas, principalmente as raras, as azuis, a pousarem nas flores.
 Borboleteávamos à vida, libertando a alma!

                                                                                               I.Ladvig